quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

NA MINHA JANELA UM PÁSSARO

A imagem “http://www.guabi.com.br/pet/passaros/img/passaros.jpg” contém erros e não pode ser exibida.


NA MINHA JANELA
UM PÁSSARO FERIDO
ARREDIO
AS MINHAS MÃOS
NÃO O TOCARAM
PERMITIU
QUE EU LHE FALASSE
NÃO SEI AO CERTO
SE ME OUVIA
SE ME ENTENDIA
SÓ SEI QUE PERMANECIA
NA MINHA JANELA
ORA CANTANTE
ORA SILENTE


NA MINHA JANELA
UM PÁSSARO
TESTANDO SUAS ASAS
E ASSIM COMO CHEGOU
ASSIM PARTIU
CURADO?
SEI NÃO...
SÓ SEI QUE VOÔ
DA MINHA JANELA VAZIA
O
VI SUMIR... SUMIR... SUMIR...
SÓ ME RESTOU
FECHAR A MINHA JANELA
E DEIXAR DE PENSAR
NO PÁSSARO

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

QUE PAÍS É O NOSSO?

RORAIMAAMAZONASPARÁAMAPÁMARANHÃOACRERONDÔNIAMATO GROSSOTOCANTINSPIAUÍCEARÁRIO GRANDE DO NORTEPARAÍBAPERNAMBUCOALAGOASSERGIPEBAHIAGOIÁSDISTRITO FEDERALMINAS GERAISESPÍRITO SANTORIO DE JANEIROMATO GROSSO DO SULSÃO PAULOPARANÁSANTA CATARINARIO GRANDE DO SUL



Que país é o nosso? Segundo Jorge Ben Jor, é um país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza.

Que povo somos nós? De acordo com Chico Buarque, somos gente humilde

Que governos temos tido? Para usar uma expressão de Chávez,o quase ditador da Venezuela, que por sua vez disse ter repetido do escritor Garcia Márquez e EU os repito: GOVERNOS DE MIERDA.

Muito bem: palmas pra Ben Jor, a natureza não foi cruel conosco e não nos faltam recursos naturais; incompatíveis, portanto, com o nosso estado de pobreza e incompreensível diante de países destituídos de tais recursos como o Japão e a Suíça, considerados ricos e desenvolvidos.

Até onde nos leva a humildade que comove o Chico Buarque? A subserviência? A falta de atitude, conseqüência da não educação e cultura?

Por que governos de mierda? Porque não ensinaram aos seus governados os requisitos de cidadania, tornando-os párias, diferenciados das sociedades ditas civilizadas e desconhecedores das regras básicas que se seguem e que não foram criadas por mim, simplesmente as pesquei na Internet:

1 - A ÉTICA COMO PRINCÍPIO BÁSICO

2 - A INTEGRIDADE

3 – A RESPONSABILIDADE

4 – O RESPEITO ÀS LEIS E REGULAMENTOS

5 – O RESPEITO PELO DIREITO DOS DEMAIS CIDADÃOS

6 – O AMOR AO TRABALHO

7 – O ESFORÇO PELA POUPANÇA E PELO INVESTIMENTO

8 - O DESEJO DE SUPERAÇÃO

9 – A PONTUALIDADE

Foi o que aprendi e o SENHOR REI ordenou que eu passasse à frente

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI SOBRE RUBENS LEMOS

NOSSO HOMEM COMUNISTA






Esta crônica foi publicada no dia 18 de março de 1990, no jornal “Tribuna Tribuna do Norte (Natal RN) republicada, agora, neste blog, para que fique constando nos “anais do Google” um pouco de RUBENS LEMOS, “ O NOSSO HOMEM COMUNISTA”.

Lá se foi o “Cavaleiro da Esperança”... De repente a gente acorda e descobre que neste Brasil surpreendente, já se pode homenagear, elogiar, enaltecer e tornar herói um comunista, nem que seja depois de morto.

Sei não... mas considero um ato sem sentido essa coisa de homenagem póstuma, por conseguinte, já que temos aqui na terrinha o nosso homem comunista vivinho bulindo, a quem preciso prestar minha solidariedade, por seu espírito indomável e a sua capacidade de viver, sofrer e morrer por um ideal, aproveito o ensejo e faço a ele a apologia que se segue:

E eu que pensava que só cabia dentro de casa, noite dessas sai, conheci pessoas das quais muito já havia ouvido falar. Apresentações informais, roda feita, conversa,( no que aliás não sou muita afeita dizem até que gaguejo, razão provável da minha falta de expressão) e diante de mim pessoas. Para espanto meu, eram normais! Apesar de comunistas. Fixei primeiro a figura do homem, talvez, quem sabe... a procura de indícios que me levassem a constatar o que em criança me foi ensinado: eles os comunistas eram dados à prática canibalesca, devoravam criancinhas. Por mais inculcada que me tivesse sido tão malfadada idéia, desmoronou-se diante da figura bonachona, sociável, inteligente, culta e destituída de mágoas cabíveis pelo muito que sofreu o homem comunista. Quis saber mais sobre ele, não ouvi revanchismo, auto-piedade e para deleite meu, ouvi atenta o homem comunista, com a sua voz de narrador bem treinado, dizer poemas de amor feitos no exílio para a mulher amada. E, acreditem, ele ainda saber sorrir, apesar de, com esse gesto mostrar a ignomínia dos seus torturadores. E aquele sorriso que em outra boca seria feio, torna-se na boca do homem comunista a expressão comovente de um ser largo, que por sabe pensar viu-se execrado, arrebatado do seio da família e submetido as mais ultrajantes torturas, sem contudo, perder a dignidade nem a postura .

E a mulher que não era comunista e sim, a mulher do homem comunista? Para ela sobraram os sofrimentos que por terem sido tantos e tão fortes lhes deixaram as marcas do medo em cada esquina.

Minhas homenagens portanto, a você Isolda. A você Rubens Lemos, o nosso homem comunista que...







QUANDO HOUVE O TEMPO DE FALAR
SEM PALANQUE
SEM MANDATO
SEM IMUNIDADE
VOCÊ FALOU
QUANDO HOUVE O TEMPO DE CALAR
SEM MEDO VOCÊ GRITOU
QUANDO HOUVE O TEMPO DE PARTIR
VOCÊ PARTIU
QUANDO HOUVE O TEMPO DE VOLTAR
VOCÊ VOLTOU
QUANDO HOUVE O TEMPO DE SOFRER
PRISÕES
TORTURAS
HUMILHAÇÕES
VOCÊ SOFREU
QUANDO HOUVE O TEMPO DA LIBERDADE
A LIBERDADE FOI DADA
MAS NÃO O DIREITO DE COBRANÇA

SÓ ESPERO QUE A SUA VERDADE NÃO O SUFOQUE, MEU CAMARADA...


domingo, 9 de dezembro de 2007

SERÁ QUE VIVER É SOFRER?



Afirma Leopold Von Ranke (1795/1886), que os tempos felizes da humanidade são as folhas em branco no livro da História.

Teria razão o Leopold? Ou as coisas funcionam como imagina o escritor austríaco J.M. Simmel: anteontem passamos maus pedaços, ontem estivemos bem, hoje começamos a passar menos maravilhosamente bem. Mas, sem dúvida, tudo em breve estará em ordem de novo. O que lembra a história explicada por Kurt Tucholsky, que em 1930, escreveu o seguinte: O círculo da natureza: Meu pai tem um primo, cujo tio costumava dizer: Meu querido filho, neste mundo existem os vermes. Estes são comidos pelos sapos e os sapos pelas cegonhas. As cegonhas trazem as crianças e as crianças têm vermes. Assim se fecha o círculo da natureza.

Sem digressão a gente chega em Jorge Luiz Borges que aponta “ O Mundo Como Vontade e Representação” do filósofo alemão Schopenhauer (1788/1860), como o melhor mapa do Universo, onde no capítulo destinado a confirmação de que viver é sofrer nos deparamos com uma comunhão de pensamento entre Leopold e Schopenhauer. Diz este último: “ Agora que nos convencemos, de certo modo, a priori por meio das considerações mais gerais, como o estudo dos primeiros caracteres elementares da vida humana, de que esta, pelo próprio conjunto da sua disposição, é bem incapaz de encontrar a verdadeira felicidade e de que, por sua essência, não é senão sofrimento sob mil formas diversas, e estado absoluto da infelicidade, podemos, de igual, bem mais vivamente acordar em nós esta mesma convicção a posteriori, se, tomando em exame fatos reais, apresentarmos à mente os quadros ou os exemplos de desgraça sem nome que nos oferecem a experiência e a história, para onde quer que deitemos o olhar e dirijamos nossas pesquisas”.

Acrescenta ainda o filósofo: “ aonde, pois, Dante colheu o material para o seu Inferno senão em nosso mundo real? E fez, entretanto, um Inferno em perfeita regra! E quando quis, ao contrário, descrever o Paraíso e as suas bem-aventuranças encontrou dificuldades insuplantáveis, pela razão do que a nossa terra não fornece os elementos para coisa alguma de semelhante. Não lhe restou, portanto, outro expediente, além de descrever-nos, em lugar das alegrias do Paraíso, os ensinamentos que recebeu dos ancestrais de sua Beatriz e de vários santos. Isto demonstrou bastante que espécie de mundo é o nosso”.

E, comigo, persiste a dúvida: viver é sofrer? Será...?

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

QUE ME DEIXE SONHAR



A sociedade movida por uma conjugação de fatores vive em permanente estado de insatisfação. A nação reclama pelos mais diferentes motivos. O governo reclama de si próprio.

Sociedade + governo = NAÇÃO. E a nação que reclama é a nossa. O que falta, então, para que ela saia dessa reunião de condições e motivos adversos, que mais parece uma roda dentada que só se move segundo o plano que a criou?

Faltaria a esta nossa nação um grande homem? Um que de fato decidisse, agisse, determinasse? Por que não surge a figura desse grande homem, já que, segundo dizem, ele é feito pelas circunstâncias e circunstâncias existem?

Será que a nossa história sempre será uma triste história? Será que o tempo passa e apesar disso ainda possamos ver grupos correndo atrás de bichos? Será que não podemos resolver os nossos problemas de forma coletiva? Será que continuaremos a falar indefinidamente sobre pessoas ao invés de discutir coisas? Teria razão o marechal-de-campo de Hitler de nome Von Brauchitsh, que acreditava que há um livro de destino onde a história humana independe do que os homens possam fazer?

Acton deixou escrito: “ Nada causa mais erros na visão da história que o interesse em indivíduos”. Sabemos que nem sempre de personagem central viveu a humanidade. Estão aí registradas as revoluções neolíticas, comercial e industrial, que foram grandes fenômenos coletivos que envolveram a colaboração gradativa de enormes multidões de observadores, experimentadores, repetidores, aperfeiçoadores etc.

E, se coube a mulher a mais importante e revolucionária das descobertas neolíticas, que foi o método da reprodução dos vegetais e conseqüentemente a agricultura, (incluindo-se aí algo sobre irrigação, aragem do solo etc.) que nem mesmo a descoberta da máquina a vapor ou de energia atômica foi tão revolucionária e teve alcance tão profundo no destino da nossa espécie. Que sejamos nós mulheres, as precursoras de uma nova revolução onde se possa deter, e mesmo inverter o curso dos acontecimentos, que possamos com a acuidade já demonstrada de “cientistas”, descobrir uma novo método de reprodução. Desta vez, não de vegetais, mais de sentimentos, onde a solidariedade humana floresça e que este pedaço de chão, que é a nossa pátria, seja de fato comum a todos os seus filhos, com os mesmo direitos, deveres e obrigações.

Enquanto nada acontece, que me deixe sonhar e sonhando espero que surja entre nós a figura de um grande homem ou de uma grande mulher, que absorva as tendências sadias desta nossa sociedade e explique de forma clara o que essa mesma sociedade espera ouvir. Um grande homem ou uma grande mulher que nos chefie, que decida, aja, determine.

sábado, 24 de novembro de 2007

OBSERVANDO O NADA




Outro dia me vi escrevendo um poema . Aí bateu uma saudade de barulho de bonde e desejei perto de mim ouvidos que me escutassem dizer o tal poema. Não explico a saudade do barulho de bonde. Ouvidos não os tenho por perto, sou reclusa, situada em algum lugar, numa casa de muitas portas e janelas, sem sótão nem porão, onde arrasto as sandálias , ora no andar de cima, ora no andar de baixo, á procura de não sei quê, escutando o silêncio, observando o nada.

Desta conversa comigo mesma, de repente me dou conta de que não sou nenhum pavão misterioso mas não tenho nenhuma história para contar. Será....? E de quando fui criança? Do que me lembro, só um sentimento de inveja, feito o que sentia da família da casa de frente à minha... Desejava aquele pai / figura bonita de homem / seu rosto nunca alcancei / mas feito gato/ olhar pidão / por suas pernas trancei / invejava os filhos dele / pelo amor recebido / pelo castigo infligido / queria aquela família / mesa posta/ comida franca / Natal / presentes trocados / aniversário / batizado / tudo isso festejado...

O que diria da adolescência ? Só isto: viagem, regresso, um trem, estação, casa, gente, rostos tristes, cheiro de incenso, de cravos. Velas. Um caixão. Dentro dele uma mulher. Minha mãe.

De mim adulta? Só sei que houve quem à mim dissesse: “ E tu aí nesse lugar, alma viva, afasta-te destes que são mortos”. Então alguém partiu e eu segui os seus passos; não para ver estrelas. Ainda estava a caminho do inferno.

Li de Shopenhauer que, quanto à vida do individuo, cada biografia é uma história de dor: por quanto em regra geral, cada existência é uma série contínua de grandes e pequenas desventuras que cada um, é verdade, esconde o melhor possível, porque sabe que os outros raramente demonstram interesse ou piedade e quase sempre satisfação, à vista dos afãs de que no momento estão salvos; mas talvez um homem no fim da vida, se é que possui toda a sua razão e é ao mesmo tempo sincero, desejará recomeçá-la e, diante duma tal perspectiva, antes preferiria o nada..

Ah, sim, quanto ao poema, esqueci de salvá-lo, deve ter caído na lixeira do computador.











domingo, 18 de novembro de 2007

VULCÃO EXTINTO



Hoje amanheci com os olhos da negação. Não vejo mistério no cosmos, não vejo mistério na vida. Recuso o olhar incomum e a perspicácia em captar detalhes. A palavra não a quero polivalente. Que se vá a conotação e que fique a denotação. Aceito Bernardo Guimarães quando diz “profetas talhados em gesso”, disse e explicou e não estou nem ai para Manuel Bandeira com seu verso “pedra-sabão lavrada como renda”. Digo: chegou a tarde e depois dela vem a noite. Descrevo a paisagem vislumbrada da janela como um matagal que existia e atearam fogo, os grilos que lá moravam invadiram a minha casa e o meu sono que era bom acabou. E que a minha vontade é de sair por aí chutando pedras.

Pedras não chutei, mas o sair por aí aconteceu: segui o caminho do mar. Avistei-o. Atraiu-me e me fez contraditória... Foi um olhar incomum que lhe lancei. Estava ele lá, manso feito um lago, talvez com preguiça ou quem sabe feliz pelo vazio de suas praias, por não precisar dar movimento às suas águas e fazer surgir as ondas e com elas tentar expulsar de dentro de si tanta gente desconhecida e que vai chegando sem o mínimo de cerimônia, ocupa suas praias, as cobre de sujeira, espoja-se na areia e sem pedir licença joga-se com a maior intimidade por sobre suas águas, mergulhando-as e com braçadas deselegantes tenta rasgar suas entranhas.

Acomodado estava o mar, acomodado como eu, que mais pareço uma faixa de terra que vez por outra sofre abalos sísmicos para depois se justapor. Anos a fio venho sofrendo dentro de mim um processo de acomodação de sentimentos com a maestria de fazer inveja à natureza. Nada destruo, embora vez por outra haja ameaça de ativa vulcanização, logo abafada pela falta de sintonia entre o sentir e o deixar fluir, não mais existe força nem motivação, a matéria em fusão natural já não produz a lava e sem lava não há erupção. Vulcão extinto é o que sou.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

O PORQUÊ DE ALGUNS


“Procurem outra companhia;
já vejo daqui o fim do meu
caminho” (Collete)

Se escrever é preciso e se dentro de mim dormem palavras, que por favor acordem, desencantem, ordenem-se e dêem vida aos meus sentimentos.

Acredito não ter tido na infância as respostas para todos os meus “por quês”, razão pela qual eles me perseguem até hoje, se bem que em outra escala. Se leio um texto sinto necessidade de inteirar-me sobre o autor. Isto posto, fico eu a escarafunchar as entrelinhas, sempre em busca de um “por quê”.

Enfim, por que escritores escrevem, quais as razões, os motivos pelos quais os levaram a escrever? Motivada pela curiosidade busquei entre alguns autores os seus ‘porquês’.

E lá vou eu , contrariando gostos - que não se discutem – com ar professoral e didatismo pedante, estribar-me no conhecimento alheio para ilustrar o que ora trato.

Vejamos o que declarou Giovanni Boccaccio (1313/1375): para fugir ao ambiente rígido e ambicioso que o cercava começou aos sete anos de idade, a imaginar fábulas e a escrever contos.

O inglês Henry Fielding (1707/1754), não sabia que profissão abraçar; cocheiro ou escritor? Para ser cocheiro teria de se colocar a serviço de algum proprietário de carruagens, ao passo que, como escritor, necessitava tão-somente de caneta e tinta. Quanto ao papel, poderia aproveitar aquele em que viessem embrulhados o tabaco e o pão. E, diante das opções que se apresentavam, tendia mais a escrever que a mourejar numa carruagem aberta.

Do alemão Wolfgang Goethe (1749/1832), que aos dez anos de idade viu Frankfurt ser ocupada pelos franceses e ouvindo falar essa língua, entusiasmou-se com as referências e os elogios aos escritores franceses; Moliére, Racine e Voltaire, sendo assim motivado pela cultura francesa e não alemã, a seguir a carreira literária.

O francês Honoré de Balzac (1799/1850), desde pequeno tinha um sonho: viver em sociedade entre aristocratas, imortalizado pela atividade literária. Lutou por esse sonho. Não se tornou um aristocrata, mas imortalizou-se como o grande retratista da burguesia do século XIX.

O inglês Charles Dickens (1812/1870), que para curar uma paixão mal-sucedida, iniciou a escrever. E descobriu em si a necessidade de se comunicar com um público maior do que aquele dos salões onde brilhava.

O francês Chaderlos de Laclos (1741/1803). Tornou-se escritor por conta de um desejo: redigir um livro que fizesse escândalo e fosse comentado mesmo depois de sua morte. Desejava escrever contra os aristocratas, visto como parasitas sentados no poder e conquistar a glória através das letras. Conseguiu publicando ‘As Relações Perigosas’, que foi sucesso imediato.

Ditas ass razões que levaram alguns dos meus eleitos a se manifestarem através da linguagem escrita, acrescento que, em se tratando de “vertentes” literárias, deixo com o estimulador da literatura engajada – aquela em que, claramente, toma partido em cada situação ou momento histórico – Jean-Paul Sartre, a palavra final: “Toda literatura é, a rigor, comprometida, pois mesmo o silêncio constitui uma opção decisiva”.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

REFLEXÕES DO MESTRE



Pelas barbas do profeta! Hoje está difícil arrumar um tema , a não ser que deite falação sobre um livro que me chegou às mãos, escrito por um escritor santista de nome Homar Paezkowski, que tem este título: Onorismos Ígneos, e começa assim: Em algum lugar, em alguma época situados no nunca. Lugar algum onde o além tangencia o eterno, a sombra do nada cobre coisa alguma, o vazio enche o infinito de tudo que o nada contém...

O linguajar do senhor Paezkowski é tão complicado quanto o seu nome, mas prometo, que num futuro que já passou; numa manhã que foi ontem; sentada com a calma dos aflitos, de pé eu não o lerei.

Já que achei o fio da meada e a largada está dada, lembrarei uma saudade minha que se chama Mário Moacyr Porto, de quem guardo estas reflexões:

Chegar é bom para os moços, porque para eles, os caminhos não terminam, mas se sucedem. Mas para os velhos, a quem a vida, bem ou mal, satisfez todas as aspirações, chegar é não ter mais para onde ir.

O lucro, a vantagem, a recompensa, é aspiração inerente à condição humana, até mesmo no plano transcendental. Suprima-se o céu das religiões que nenhuma delas sobrevive. O céu é a recompensa corrigida do sofrimento de viver.

O homem só é livre por uma única razão: pode morrer quando quiser.

Há pessoas que dão a César o suficiente para não se prejudicar e a Deus o bastante para não se perder. Dividem a alma e o corpo sem deixar restos. Dão a Deus o que é do diabo e ao diabo o que é de Deus.

Cada dia tem a sua quota de sofrimento. Não antecipe para hoje a angústia de amanhã. Não aprendi esta lição no consultório de um psicanalista, mas na Bíblia de Cristo, para quem o homem não é apenas uma transcendência divina, mas também o ingênuo parceiro de Eva que cedeu a tentação de provar a maçã. Um pecado venial de recém-nascido guloso. Na qualidade de ex-magistrado, acho que a expulsão do paraíso foi uma condenação exorbitante. Finalmente, não devemos ter vergonha de fazer o que Deus não teve constrangimento em criar.

Nada mais triste do que uma criança triste. Triste e injusto. Será que Spinoza tem razão quando afirma que Deus existe, mas não intervém ou se envolve com a sorte das criaturas que expulsou do paraíso?’

E agora, mestre, a respeito desta última reflexão, já que o senhor está aí por cima, não existe um jeitinho de dizer pra nós se o Spinoza tem, ou não tem razão?

terça-feira, 30 de outubro de 2007

NADA VIRÁ DO NADA






"Vez por outra me vejo na
captura de mim mesma
e quem sabe tentando
desmascarar sob o verniz
do cotidiano um mundo
de desejos e fantasias
inconfessáveis"
(Clarisse Lispector)



Já foi dito que Deus deu ao homem o dom da palavra para que ele possa esconder os seus próprios pensamentos.

Vem outro e diz: “ouve-me, ouve o silêncio, o que te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa!

Estas são palavras daqueles que já se foram, mas por serem fortes permanecem até hoje.

Neste momento, ao meu redor, um silêncio pesado. Meus olhos vagueiam por entre monstros sagrados enfileirados à minha frente. E lá está Schopennhauer, que a mim tanto impressionaram os seus aforismos. Maquiavel, que a minha inteligência não alcançou os seus conselhos ao “Príncipe”, mas que me deleitou em “A Mandrágora”. Vosmecê, Jean-Paul Satre, que o tradutor nos adverte em a “Idade Razão”, do emprego indiferente do “você” e o “tu” e das constantes repetições, coisa que por seres tu quem fostes (és), nem estavas aí. Voltaire, que o Sérgio Milet afirma, já na sua época era acusado de plágio: “Voltaire, como todos os grandes escritores clássicos faz seus os bens que encontra”, valeu seiscentas e setenta páginas de histórias curtas que compõem “Zadig ou o Destino”. Nicolai Vassilievith Gogol, “Almas Mortas”, li vosso livro de um fôlego só, pena que não tenha final. “As Vinhas da Ira”... Meu caro John Steinbeck: o vosso romance retrata o passado de um povo, que para nós, principalmente, nós nordestinos, ele é o nosso presente. Aqui temos os nossos “bóias-frias”; lá a terra da promissão era a Califórnia, aqui é São Paulo; os juros também são altos e os impostos idem; os Bancos tomam terras, sim senhor, em geral dos pequenos lavradores; os grandes latifundiários não plantam algodão como lá plantavam os seus, aqui é soja tipo exportação. Aqui se mata por terra. Aqui se morre de fome, também.

Companheiros meus, em mim a necessidade de escrever, mas dentro de mim permanece o nada. “ Nothing will come of nothing. I cannot bring my heart into my mouth” ( Shakespeare através de sua personagem Cordélia, filha do King Lear)

Pedante as citações. Ah, Que o sejam! Mas, como diz a Cordélia, quisera eu trazer o meu coração até minha boca, contudo, bloqueiam-me sentimentos menores, fala mais alto um processo autodepreciativo, desconhecendo valores, se é que os tenha.

Falaria eu do quê? Às vezes eu comungo do mesmo pensamento atribuído ao filósofo grego Górgias de Leontino: “Nada existe. Mesmo se existisse alguma coisa, não poderíamos conhecê-lo. Concedido que algo existe e que podemos conhecer, não poderíamos comunicar aos outros. É como disse um amigo meu: “você se esconde na ostra e ainda justifica. Simplesmente...anota”. Sabe ele que : “Só merece nosso crédito aquele que discorrer sobre coisas de sua experiência”. (Hermann Hesse).

E, diante desses “Titãs,” desde a altura em que se encontram, se dignar um deles, alguma vez, dirigir um olhar para a minha humilde posição, saberá de que mísera maneira sofro o grande e constante rigor de nada saber. ( vai ver que eu li isto em algum livro).

terça-feira, 23 de outubro de 2007

O GÊNERO HUMANO






Dona Loucura, refletindo atentamente sobre o gênero humano e observando todas as calamidades a que está sujeita a vida dos mortais, ficou vivamente comovida e exclamou: Santo Deus! Que é afinal a vida humana? Como é miserável, como é sórdido o nascimento! Como é penosa a educação! A quantos males está exposta a infância! A juventude! Como é grave a velhice! Como é dura a necessidade da morte! Quantos poderiam descrever a infinita série de males que o homem causa ao homem, como sejam a pobreza, a prisão, a infâmia, a desonra, os tormentos, a inveja, as traições, as injúrias, os conflitos, as fraudes?
Agora, sou eu que indaga de dona Loucura: sem camisa de força, como fugir dessa barbárie? Ignorar os fatos, passar a raciocinar em torno das nuvens e de quebra medir pé de pulga e ficar atenta ao zumbido do pernilongo?

Sei não, viu, mas tem dias que a gente se sente, não como o Chico Buarque, quando pensou que havia partido ou morrido, mas sim, como o mesmo espírito crítico de Erasmo de Rotterdam, quando em 1508, escreveu o Elogio da Loucura, que o diz ter feito sem estar inteiramente louco, apenas com o intuito de censurar a vida e os costumes humanos e também para homenagear um grande amigo, que longe estava do conceito da loucura e que se chamava Thomas More, autor de a Utopia, de quem se sabe, que, ao subir ao cadafalso, onde devia perder a cabeça em testemunho da Verdade, com o mesmo ânimo intrépido e tranqüilo, não podendo dar um passo por causa da gota, disse a um dos guardas: “amigo ajuda-me a subir, que ao descer não te darei mais incômodo”.



Por falar em Utopia, segundo relato de Rafael Hitlodeu, lá nessa ilha o homem está unido ao homem de maneira mais íntima e mais forte pelo coração e pela caridade do que pelas palavras e protocolos. Só que é uma pena: o país Utopia não passa de utopia, de um sonho sonhado.

domingo, 21 de outubro de 2007

EU E O MEU FILOSÓFICO NARIZ




“Quando uma cabeça e um livro têm
uma colisão e um deles soa oco, será
que é sempre o livro?”(Lichtenbergo)





Os sábios em todas as épocas disseram sempre as mesmas coisas; os tolos em todos os tempos comportam-se como tais e assim continuará para sempre, pois como diz Voltaire, deixaremos o mundo tão tolo e mau como nós o encontramos


Só me basta um nada fazer para cultivar o pessimismo. E hoje é domingo... Um lazer vazio e a melancolia do tédio toma conta de mim. Sinto-me só.


Bem, se amanheci de mal com a vida levantarei o meu filosófico nariz contra ela e me ponho a indagar:


O que é a vida? Sou uma coisa pensante e como tal duvido, concebo, afirmo, nego, imagino, sinto, quero, não quero, que pouco sei e ignoro muito mais e nesta condição vejo-me impelida a questionar a dita e o julgamento que se pode fazer dela. Quando isto acontece, no afã de desvendar mistérios mergulho fundo e busco os Pensadores. Mas logo me vejo enleada em tantas dúvidas que me parece não haver obtido outro proveito procurando instruir-me, senão o de ter descoberto cada vez a minha ignorância. E o que fica em mim é que a vida não é um problema para ser resolvido, é um mistério para ser vivido


Diz o meu conselheiro de plantão, Will Durant, que talvez o nosso enjôo desdenhoso do mundo seja um disfarce para o enjôo secreto de nós mesmos: estropiamos e estragamos nossas vidas e jogamos sobreo ambiente ou sobre o mundo, que não têm condições de se defenderem. O homem maduro aceita as limitações naturais da vida, não espera que a Providência seja parcial a seu favor, não pede dados falsificados para participar do jogo da vida.Sabe, como afirma Carlyle, que não faz sentido recriminar o sol porque não acende os nossos cigarros, mas talvez se fossemos inteligentes para o auxiliar ele fizesse até isso. E este vasto cosmos neutro poderia ser um lugar bastante agradável se contribuíssemos com um pouco de nós mesmos para o ajudar. Na verdade o mundo não está nem conosco nem contra nós. Ele não é senão matéria-prima em nossas mãos, pode ser céu ou inferno, conforme o quisermos.


É, pode ser...


Contraditória, eu? Mas quem não é?





quarta-feira, 17 de outubro de 2007

SABER ALHEIO









“Detesto o sábio que não é sábio
por si próprio” (Eurípides)




Lendo os Ensaios de Michel de Montaigne, deparei-me no Capítulo XXV, que trata do pedantismo e da arte de pilhar o saber alheio – uma carapuça que, pensando bem, me cabe direitinho -. Senão vejamos: reconhecendo o óbvio, isto é, que não sou sábia, mas sim, mendiga do saber alheio, confesso que quase nada tiro de mim; o que faço na maior parte dos meus escritos é filar aqui e ali, deste e daquele livro, as sentenças que me agradam a fim de transportá-las para os ditos escritos . E de tanto me apoiar nos outros vejo-me dependente. É a tal história: quero fortalecer-me contra o temor da morte? Recorro a Sêneca. Tenho a intenção de arranjar consolo para mime para os outros? Vou a Cícero.


O que EU escrevo? O que EU penso? O que EU falo? Pelo visto um papagaio poderia muito bem me substituir... Diz Montaigne que, para abrigar tantos e tão grandes pensamentos dos outros cérebros, é necessário que o próprio cérebro se contraia, se restrinja, se comprima para dar espaço ao que recebe de outrem. E exemplifica: assim como as plantas morrem por excesso de seiva e as candeias se apagam com abundância de azeite, os espíritos curvam-se e se ancilosam sob o peso dos estudos e das matérias com o que os encheram e que eles não puderam deslindar


Indaga Montaigne: que adianta ter a barriga cheia de comida se não a digerimos? Se não a assimilamos, se não nos fortalece e faz crescer? Lembra ele a história de um rico romano que à força de dinheiro se aplicara a recrutar homens versados em todos os ramos da ciência e os tinha sempre à sua volta; e quando, com seus amigos, tinha a oportunidade de falar qualquer coisa eles o supriam em sabedoria, um lhe soprando uma réplica, outro citando um verso de Horácio, cada qual segundo sua especialidade. Com o tempo chegara a acreditar que o saber e seu porquanto o tirava de “seus” homens, agindo, assim, como aqueles cujos conhecimentos moram nas bibliotecas suntuosas de sua propriedade. Ou ainda, como um outro que ao ser indagado acerca do que lhe cumpre saber, vai logo buscar um livro para mostrar e jamais ousaria dizer que tem o traseiro sarnento sem previamente procurar em dicionário a significação de sarna e de traseiro.


Pois é, nem eu duvido que a carapuça me cabe; basta olhar para essa danação de livros à minha frente e do Google dirimindo dúvidas ao simples toque das teclas de meu computador.


domingo, 7 de outubro de 2007

VERDADE DESBOTADA

A imagem “http://pwp.netcabo.pt/johny/gintonico/pintura.jpg” contém erros e não pode ser exibida.

"Não posso pintar flores coloridas como os impressionistas porque a psicologia do mundo, hoje é sombria". (Iberê Camargo -artista plástico)

Pessimismo, talvez... Lucidez, quem sabe... Seja lá o que for, o certo é que, infelizmente, compartilho do pensamento do artista.

Por mais que eu queira colorir com palavras otimistas o presente e o que está por vir, salta aos meus olhos uma verdade desbotada incapaz de motivar uma visão positiva do que me cerca. A falta de perspectiva é o escuro de tudo.

Aqui neste meu mundo particular, as cores andam tão anêmicas, tão fuscas, que estão a empanar a minha visão. Estou vivendo um momento atroz onde não enxergo Aquele à quem depositar minhas esperanças. Os que me cercam falam palavras que, não meu parco entender, não dizem neres de neres. São palavras, nada mais do que palavras que perderam o sentido, cairam no lugar-comum das palavras vãs.

Enquanto isto pululam além muro os tais pintores de vanguarda que, no afã de tornar chamativas suas pinturas, andam misturando cores, talvez partindo do pressuposto de que críticos já não o temos e sim, promotores de produtos, e pelo jeito estão pondo fé na exposição, esperando ter a aceitação imaginada. Comportam-se como os divisionistas, acreditando ser imprescidível manter uma relação exata entre as cores complementares a um tom vermelho, correspondendo outro verde, existindo entre eles uma seção de suporte. ( A justaposição das complementares dá o aspecto da "pintura de confete". E, dai, no meio deles, quem sabe...,talvez acreditem no surjimento de um novo Seurat.

E diante do lusco-fusco, fico pensando naquele que libertou a cor, o paradoxal Vincent van Gog, que disse: "Eu não quero pintar quadros, quero pintar a vida". E, embora dissesse, que encontrava dentro dele uma harmonia e uma musicalidade calma e pura, no início de sua carreira os quadros que pintava eram pesados e escuros, pois transmitiam a realidade que o pintor via, e esta era sombria e cinzenta.

Por isto, e por muito mais quando me prometem o céu, a lua e as estrelas eu olho pra cima e se o que vislumbro um céu sombrio, cinzento desconfio do presente, embora quem me prometa se apresente harmônico, musical, calmo e puro.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

ENQUANTO SE ESPERA FILOSOFEMOS

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Enquanto se espera que os nossos corações sejam tocados pelo espetáculo da miséria humana, pela brutalidade do egoísmo, pelo sofrimento real irremissível dos nosso iguais filosofemos.

Filosofemos em cima do que disse um judeu que pensava diferente, que não viveu Auschwitz, mas sofreu um processo de excomunhão em 27 de julho de 1656, com todas as sombrias formalidades do ritual hebreu, tendo à frente os chefes do Conselho Eclesiástico, que amaldiçoaram, execraram e desligaram do povo de Israel aquele que é considerado “ o maior judeu e filósofo dos tempos modernos”. Refiro-me a Baruch de Espinosa.

Sobre DEUS, este é o pensamento de Espinosa: Quando dizeis que se não concedo a Deus as ações de ver, ouvir, observar, desejar e outras que tais... não sabeis que tipo de Deus é o meu. Conseqüentemente imagino que acreditais não existir perfeição maior do que a que pode ser explicada pelos atributos acima citados. Isso não me admira, pois acredito que um triângulo, se pudesse falar diria, de maneira semelhante, que Deus é eminentemente triangular, e um círculo, que a natureza divina é eminentemente circular; assim, cada um atribuiria suas próprias qualidades a Deus.”

Quanto a LIBERDADE DOS HOMENS: “ Os homens pensam que são livres, porque têm consciência de suas volições e desejos, mas ignoram as causas pelas quais são levados a querer ou a desejar”.

A FELICIDADE para Espinosa é definida de forma simples: “presença do prazer e ausência da dor”. Pondo o prazer como transição isto porque o prazer não é a perfeição propriamente dita: “se um homem nascesse perfeito ficaria sem... a emoção do prazer.

O EGOISMO, diz Espinoza: “ é um corolário necessário do instinto supremo de autoconservação, ninguém abandona nada que julgue ser bom, exceto com a esperança de conseguir bem maior”.

A HUMILDADE, diz o filósofo: “ela ou é a hipocrisia do sabido ou a timidez de um escravo; ela significa ausência de força

Sobre o REMORSO: “é antes um defeito que uma virtude: “aquele que se arrepende é duas vezes infeliz e duplamente fraco.”

De INSTINTOS: “são formidáveis como força impulsora, mas perigosos como guias; pois devido ao que podemos chamar de individualismo dos instintos, cada um deles busca satisfazer a si próprio, sem levar em conta o bem da personalidade global’.

ODIAR, diz Espinoza, “é reconhecer nossa inferioridade e nosso medo; não temos ódio de um inimigo que estamos certos de poder vencer. Quem se propõe vingar as injúrias com um ódio recíproco, viverá na infelicidade. Mas quem se esforça por afastar o ódio mediante o amor, luta com prazer e confiança; resiste igualmente um ou a muitos homens e quase não precisa de ajuda da sorte. Aqueles a quem conquista rendem-se a ele alegremente

Encerrando, fica dito que “a paixão sem a razão é cega e a razão sem a paixão está morta”.

domingo, 30 de setembro de 2007

O JOGO QUE NÃO APRENDI












Mais um ano que está se indo. E eu fazendo minhas as palavras de Werther, criatura da fantasia de Goethe: “Assim como a natureza se inclina para o outono, também o outono vive dentro de mim e em torno de mim. As folhas da minha alma vão amarelando, enquanto as folhas das árvores vizinhas tombam.”



Fim de ano às portas pede retrospectiva, o que a TV Globo vem fazendo muito bem ao longo desses anos, e com certeza o fará novamente, reprisando as acontecências relevantes deste ano que já já se finda.



Enquanto isto, parto eu, para uma crônica intimista e a retrospectiva que se segue diz respeito a esta escrevinhadora.



Não sou o que eu queria ser quando menina. E eu queria ser Polyana para jogar o ‘jogo do contente’. Cresci um pouquinho e jurei pra mim mesma que quando ficasse grande me tornaria uma escritora, aí meu pai apontou-me a porta larga da cozinha, mas esqueceu de queimar os livros, que os devorei. Lendo, lendo, lendo...

Não sei ao certo o ano que li O Pequeno Príncipe, só sei que estava na moda lê-lo. Li, mas não entendi as ‘entrelinhas’. Gostei mais do Menino do dedo verde (1957) de um outro francês chamado Maurice Druon, que navegou nas águas de Saint-Exupery, disfarçando a profundidade de suas mensagens na singeleza de um livro para crianças.



Mais um dedinho de crescimento: a porta larga da cozinha não transpus, preferi a da rua. E parti em busca do saber. Assim, as minhas incursões pelo mundo da leitura continuaram. Entre tantas descobri Shopenhauer e me tornei pessimista; com Molière aprendi a sorrir; chorei com Charles Dickens; a velhice , imaginei com Collete; pensei na morte com Hemingway.



Da menina que fui para a mulher adulta que sou, foi um pulo só. E este pulo foi livre e sem medo, como convém que seja, pois segundo Santo Agostinho, para aprender, tem mais valor uma curiosidade livre do que a coerção baseada no medo.



E se não aprendi o ‘jogo do contente’, paciência, culpa minha. O motivo está exposto no que diz Luigi Pirandelo: “E, com muita freqüência, esquecemos que somos átomos infinitesimais, passamos a respeitar-nos e admirar-nos reciprocamente e somos capazes de engalfinhar-nos por um pedacinho de terra ou de queixar-nos de certas coisas que, se estivéssemos compenetrados do que somos realmente, deveriam parecer-nos desprezíveis misérias.”



PS: A paz que excede todo entendimento ainda estou buscando em Deus.



terça-feira, 25 de setembro de 2007

GENÉSIA ENTROU DE GAIATA











Outro dia eu estava supervisionando a limpeza da calçada de minha casa, trabalho esse feito pela Genésia, que nos momentos de sobrecarga de trabalho, larga tudo e fica de muxoxo pelos cantos da casa proclamando-se a última das mucamas, porque diz que eu a escravizo, mas é mentira, ela que é abusada, lê o jornal antes de mim, mete o bedelho em tudo que é conversa. Reclama de barriga cheia, embora esteja na família há mais de vinte anos e seja considerada como tal, exigiu carteira assinada, férias remuneradas, plano de saúde , décimo terceiro e tudo o mais que acha que tem direito. As nossas diferenças são por conta da TV paga no horário da tarde, enquanto eu quero me ligar no canal do Senado, ela quer ficar zanzando entre os canais onde as apresentadoras comentam a vida dos artistas de novelas, quem deixou quem para casar com quem, quem vai posar nua na Play Boy etc.etc.etc.


Até que eu já tentei politizar a Genésia, explicando o papel de um senador na conjuntura política do país. Sabe o que foi que ela disse, olhando com o maior desprezo para suas excelências? Vou até colocar um (sic) “Ah! Isto é programa de índio, um bocado de velho falando mal do governo e quando ele manda as coisas pra votar, fazem igual à vaca de presépio, balançam a cabeça e um lá grita : APROVADO!” Neste ponto calei-me e desisti.


Adoro a Genésia, a sua “ira santa”, faz parte dela. Só não sei o que danado ela está fazendo aqui na minha crônica, pelo jeito entrou de gaiata, feito Pilatos no Credo.


Eu queria mesmo era falar sobre o meu vizinho, grande proseador, que retornando de sua caminhada matinal, me avistou na calçada e veio na minha direção. Temos uma coisa em comum: gostamos de política, e foi sobre este tema que sentamos na beira da calçada para prosear. Enquanto ele se ajeitava eu observava as formigas “sarará”, que desciam da árvore que nos sombreava, cada uma carregando uma folha maior do que si própria e seguiam em procissão, para onde não sei. .


É bem falante o meu vizinho, o que mais me diverte nele é a mania que tem de fazer seus os pensamentos dos outros, isto sem a menor cerimônia, com ele é: leu, gostou, incorpora. O assunto caminhou para o lado das promessas, até agora não cumpridas, pelo senhor presidente da República e constantes do seu programa de governo. Ele, sem citar a fonte, repetiu palavras de Machado de Assis quando disse: “Oh! Por que não nasci eu assaz político” – e prosseguiu – pois se assim o tivesse sido e candidato a um cargo executivo me apresentasse, ao invés de um calhamaço contendo um programa de governo que, via de regra, por ser mirabolante nunca é cumprido, diria simplesmente aos eleitores, que o meu comportamento de governo primaria pelos princípios abaixo enumerados, frutos do meu pensar:


Nunca aceitar como verdadeira qualquer coisa que não seja visivelmente verdadeira.


Dividir as dificuldades em tantas partes quantas possíveis.


Começar procurando as soluções para os problemas mais simples e prosseguir, passo a passo, até os mais difíceis.


Rever todas as conclusões e assegurar-se de que nada foi esquecido.


Neste ponto fez uma pausa. Aproveitei para elogiar o discurso e acrescentei: só tem uma coisa, essas quatro regras por você citadas, não são do seu pensar, foram criadas por Descartes (Discurso do Método). Então, ele me respondeu: “É, eu sei, mas em campanha, trepado num palanque qualquer um é Napoleão, além do mais, quem danado ler Descartes hoje em dia?”.


A conversa terminou, o meu vizinho levantou-se, limpou os fundilhos da bermuda e seguiu o seu caminho. Eu permaneci sentada, observando as formigas que prosseguiam na sua caminhada.


sábado, 22 de setembro de 2007

ROSA POR UMA HORA


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Ai o diabo disse: “Lá vem a compadecida!

Mulher em tudo se mete!” (Auto da

Compadecida – Ariano Suassuna)

E eu que não entendo nem o porquê do muçulmano fazer xixi de cócoras, vou repassar uma historinha de origem árabe.

Jamil Almansur Haddad, versado em literatura da língua árabe nos informa que os árabes são contadores natos de histórias, têm contos para todas as posições da vida, alegria ou dor, ruína ou fortuna, doença ou saúde. Aliviam as dores contando, aumenta a alegria contando. O conto é o sonho acordado dos árabes.

Vale salientar, segundo Jamil, que para o árabe, o contador de histórias não tem menos valor do que o autor; quem recolhe a história que ouviu poderá narrá-la e o mérito recai principalmente sobre quem contou.

O que se segue é baseado no conto “A Violeta Ambiciosa” do libanês Gibran Kalil Gibran (1883/1931) tradução de Jamil A. Haddad

A Violeta, que não era sindicalizada, não pertencia a nenhum partido político, não fazia parte das hostes de nenhum governo nem tampouco detentora de cargo comissionado, mas mesmo assim era feliz vivendo num jardim solitário, contudo, de uma hora pra outra ficou triste, isto porque numa bela manhã ergueu a cabeça e deparou-se com uma Rosa alta e linda exibindo toda faceira os seus atributos.

Por sentir-se muito próxima da terra e não poder erguer a cabeça até o céu azul ou voltar a face ao sol como as rosas fazem queixou-se a Violeta: “ Como eu sou infeliz em meio a essas flores e como é humilde a posição que ocupo diante delas! Fez-me a natureza para ser curta e pobre...”

E a rosa que era flor que se cheirava riu e comentou: “Como é estranha a tua fala! Tu és feliz, embora não possas compreender tua fortuna. A Natureza dotou-te de fragrância e beleza o que não fez com nenhuma flor... Aparte de ti estes pensamentos, sê contente e lembra-se que aquele que se humilha será exaltado e aquele que se exalta será esmagado.” A Violeta respondeu: “Consolas-me porque tens o que eu almejo... Procuras amargurar-me cada vez mais com a idéia de que és grande...Como é dolorosa a pregação dos felizes para o coração do miserável! E como o forte é severo quando quer ser o conselheiro dos fracos!”

Ouvindo o diálogo entre a Violeta e a Rosa , a Natureza aproximou-se e disse: “ O que te aconteceu companheira Violeta? Fostes sempre humilde e doce em todas as tuas ações e palavras. Será que a ambição invadiu teu coração, embotando teus sentidos?” Numa voz suplicativa a Violeta respondeu dizendo: “Ó mãe grande e misericordiosa, cheia de amor e simpatia, imploro-te com todo o meu coração e minha alma, que atenda as minhas súplicas e permitas que eu seja rosa por um dia apenas.”

Diante das súplicas da Violeta, a Natureza resolveu atender o seu desejo, mas antes fez esta advertência: “Ó Violeta ignorante e revoltada, acederei aos teus desejos, mas se a desgraça cair sobre ti, deveras “. Para depois, estender os dedos misteriosos e mágicos, tocando as raízes da Violeta que imediatamente se transformou numa alta rosa.

Como nem tudo são flores, à tarde o sol resolveu bater em retirada para que as nuvens negras tomassem conta do pedaço e enviassem à terra os elementos raivosos, que em forma de raios, chuva e ventos fortes atacaram o jardim da ex-Violeta, que travestida de rosa não resistiu a tempestade que lacerou os ramos e desenraizou as árvores e quebrou as hastes das flores altas, poupando apenas as pequeninas que cresciam bem junto ao coração da terra.

Não contentando-se diante da Violeta metamorfoseada, derrubada por terra pela tempestade, feito um soldado ferido em um campo de batalha, a rainha das violetas convocou sua família, dizendo: “ Olhai, minhas filhas, e meditai sobre o que a ambição fez à Violeta que se transformou em uma rosa orgulhosa por uma hora. Seja a memória desta cena uma lembrança eterna da vossa boa sorte.”

E a Rosa moribunda moveu-se e reuniu o que ainda sobrava de suas forças, cheia de orgulho, disse: “Vivi por uma hora apenas como uma rosa orgulhosa; existi por tempo feito uma rainha; contemplei o Universo pelos olhos da rosa; ouvi o sussurro do firmamento pelos ouvidos da rosa e toquei as dobras do manto da luz com as pétolas da rosa. Alguma de vós poderá proclamar semelhante honra?” Tendo assim falado, baixou a cabeça e com voz sufocada murmurou: “Agora eu posso morrer, pois minha alma alcançou o seu objetivo. Estendi, finalmente, o meu conhecimento para o mundo que fica além da estreita caverna do meu nascimento. Este é o designo da vida...Este é o segredo da existência.” Então a Rosa extremeceu, dobrou lentamente as suas pálpebras e respirou pela última vez com um sorriso celestial nos seus lábios... Um sorriso pleno de esperança e propósito de vida... Um sorriso de vitória...

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

HOJE QUEM FALA SOU EU





“ Tenho várias caras. Uma é quase bonita,
outra é quase feia. Sou o quê? Um
quase tudo” (Clarice Lispector)



Disse-me certa vez alguém muito e muito mais sabido do que eu, e que já não anda mais por este mundo, dele só resta a saudade e o “silêncio de portais”. E o amigo assim me falou: Zélia, a literatura de entretons, fuga , já era. Hoje o tutano tem se ser expulso, e me mandou à vida.


Não aprendi a lição e se me confesso não me desnudo, não consigo assumir por inteiro as características próprias da ficção feminina, confessional, e aparentemente narcisista.


Sei apenas que escrever é preciso. E sem fôlego para mergulhar fundo, de mim só sei dizer: do que fui, lembranças de sonhos contidos... do que sou, não consigo me encontrar. O ontem vivido é manifesto desejo de revivê-lo hoje, contrariando o crepúsculo em que mergulho sem mais tempo de dar vazão a esses contidos sonhos, que teimam em desconhecer as regras impostas pelo caminhar da vida. Já não me é permitido muita coisa; talvez, um... Reza minha senhora! Humildemente confesso, não sei fazê-lo, de há muito ando às turras com o Senhor lá de cima. Minha culpa, minha máxima culpa.


E neste “silêncio de portais”, busco palavras de outros, e as faço minhas ... Cais, às vezes, afundas
Em teu fosso de silêncio
Em teu abismo de orgulhosa cólera,
E mal consegues
Voltar, trazendo restos
Do que achaste
Pelas profunduras da tua existência


(O Poço –Pablo Neruda)



domingo, 16 de setembro de 2007

O GRANDE IRMÃO TE VIGIA




















Não há canto na caminhada, já não somos todos irmãos; já não sabemos se o que nos espera é um Auschivitz; já não sabemos se virá por imposição, decreto, projeto ou medida provisória a lei que determinará a marcação do número do nosso celular em nossos braços, com a obrigatoriedade do monitoramento das chamadas: de quem para quem, do que disse e do que ouviu. Só sabemos que o Grande Irmão nos vigia, com a cumplicidade do nosso “Winston Sunth (personagem da fábula “1984”) e “ dos pobres peões manipulados por uma azeitada máquina estatal, que articula os impressionantes recursos da propaganda com uma eficiente polícia da consciência.”


Já não importa que sejamos probos, já não existe mais sossego na vida dos homens públicos deste país, visto que todos estão sendo jogados na vala comum da improbidade. E a época da inquisição revive, com as ferramentas da modernidade sem a necessidade dos trâmites legais e sem aquela historinha de que se é inocente até provas em contrário, basta o Quarto Poder girar a sua artilharia na direção do alvo escolhido e pronto! Por ilações e imaginação dignas de um Gilberto Braga, cria-se o “monstro”. Às favas a Justiça em todas as suas instâncias. Com a Imprensa, o poder de investigar, denunciar, julgar, condenar, execrar. Ao “condenado” só lhe resta o júris sperniandi .


Não se pode esconder, no entanto, que no meio político, figuras comprovadamente controversas - das que acreditam que “o inferno são os outros” -tentam passar a imagem de paladinos da ética e da moral, arvorando-se criadores de grandes feitos e com a proclamação de tais, tentam esconder a verdadeira pobreza moral que os circundam, no afã de emoldurar os deslizes éticos pelo “gás néon”


Para os que têm discernimento, cabe no momento do exercício democrático do voto, impor a sua vontade, defenestrando os aventureiros para livrar o futuro da “distopia” prevista por George Orwell e deixar fluir a “Utopia” de Thomas More.


Enquanto a hora não é chegada revestidos da nossa impotência, só nos cabe assistir via on-line o festival de todo mundo denunciando todo mundo.


quinta-feira, 13 de setembro de 2007

POR QUE A ANGÚSTIA?







Ó tempora! Ó mores! Ó angustia! Enquanto isto Caetano canta: “Gente foi feita para brilhar e não para morrer de fome.”


O caro leitor há de convir que, sai governo, entra governo e a pátria amada idolatrada salva salve continua a mesma: todo mundo fala e ninguém se entende, é que nem a corte do rei Pétand, citada pela senhora Pernelle, protetora de Tartufo, que disse que nessa corte nada se respeitava e todo mundo falava o que lhe vinha às ventas.


Que eu estou angustiada, isto estou. Eu que tenho aonde cair morta; que posso cuidar dos meus possíveis males; que mato a minha fome e a minha sede à hora que desejar. Mas... e os outros? Aqueles que vivem por que Deus quer; que morrem por que Deus quer; se a seca castiga é por que Deus quer; se chove é por que Deus quer; se comem ou passam fome é por que Deus quer; que moram num barraco ou debaixo de uma ponte é por que Deus quer...


Invejo a fé dos zés brasis, admiro a sua reverência, o chapéu na mão, olhar para o alto em busca de Deus... Quem sabe um dia eu chego lá. E enquanto a fé não chega e a angustia não passa, vou sair por aí e fazer uma saudação mentirosa a um valentino qualquer, como fazia o inquieto e bem mais atormentado do que eu, Santo Agostinho, que em uma das suas andanças encontrou um pobre mendigo bêbado que ria e fazia arruaça. A cena embora o aborrecesse, revelava um aspecto da verdade que procurava. O bêbado com um pouco de dinheiro alcançava a felicidade.


Sabia o santo que a alegria do bêbado não era autêntica. Mas pôs em dúvida a alegria que ele procurava com as suas ambições e enredos tortuosos. Numa noite o bêbado digeria o vinho e sua bebedeira passaria; ele, Agostinho, ao contrário, iria dormir e acordaria com o mesmo tormento, hoje, amanhã, quem sabe até quando...

terça-feira, 11 de setembro de 2007

DE CISMA, PENSAMENTO E SONHO









A respeito da Natureza, do Desconhecido, cada um de nós, cisma, sonha à sua maneira. Sei de alguém que se chama Gilliatt, protagonista de um romance escrito por Victor Hugo, no ano de 1866, sob o título “Os Trabalhadores do Mar”, que costumava, diante da imensidão do mar, cismar, pensar, sonhar assim:


.Dizia Gilliatt, que tinha visto algumas vezes, na água do mar, completamente límpida, animais inesperados, de grandes dimensões, de formas diversas, os quais fora da água assemelhavam-se a cristal mole e, tornados à água, confundiam-se com ela pela identidade de transparência e de cor; disto concluía ele que, se a água era habitada por transparências vivas, bem podia ser que o ar fosse habitado por transparências igualmente vivas. Os pássaros não são os habitantes, são anfíbios do ar. Gilliatt não acreditava no ar deserto. S


Se o mar está cheio de criaturas, por que motivo a atmosfera está vazia?-Indagava. Criaturas cor do ar podem escapar aos nossos olhos por causa da luz; quem nos prova que estas criaturas não existem? A analogia indica que o ar deve ter os seus peixes, como o mar; os peixes do ar serão talvez diáfanos, beneficio da providência criadora, tanto a nosso favor, como a favor deles; deixando passar a luz através de sua forma, e não fazendo sombra, ficam ignorados de nós e nada poderemos saber. Gilliatt imaginava que, se se pudesse esvaziar a atmosfera, pescando-se no ar como num tanque, achar-se-ia uma porção de criaturas surpreendentes. E acrescentava ele na sua cisma, muitas coisas explicariam.


A cisma, que é o pensamento no estado nebuloso, confina com o sono e preocupa-se a respeito dele, como de sua própria fronteira. O ar habitado por transparência vivas seria o começo do Desconhecido; além abre-se a vasta porta do possível. Outros seres e outros fatos.


Nada sobrenatural; mas a continuação oculta da natureza, era um observador estranho e fantástico. Chegava a observar o sono. O sono está em contato com o possível, que também chamamos o inverossímil. O mundo noturno é um mundo. A noite é um universo. O organismo material humano, sobre o qual pesa uma coluna atmosférica de 15 léguas de altura, chega à noite fatigado, cai de fraqueza, deita-se, repousa: fecham-se os olhos da carne: então, naquela cabeça adormecida, menos inerte do que se crê, abrem-se olhos, aparece o Desconhecido.


As coisas sombrias do mundo ignorado tornam-se vizinhos do homem, ou porque as distâncias do abismo tenham crescimento visionário; parece que as criaturas invisíveis do espaço vêm contemplar-nos curiosas a respeito da criatura da terra; uma criação fantasma sobe e desce para nós, no meio de um crepúsculo; ante a nossa contemplação espectral, uma vida que não é a nossa agrega-se e dissolve-se, composta de nós mesmos e de um elemento estranho; e aquele que dorme, nem completo vidente, nem completo inconsciente, entrevê as animalidades estranhas , as vegetações extraordinárias, as cores lívidas, terríveis ou risonhas, as larvas, as máscaras, os rostos , as hidras, as confusões, os luares sem lua, as obscuras decomposições do prodígio, o crescer e o decrescer no meio da espessura turvada, a flutuação de formas nas trevas, todo esse mistério que chamamos sonho, e que não é mais do que a aproximação de uma realidade invisível.


O sonho é o aquário da noite.


Assim sonhava Gilliatt. Assim sonho eu.