terça-feira, 30 de outubro de 2007

NADA VIRÁ DO NADA






"Vez por outra me vejo na
captura de mim mesma
e quem sabe tentando
desmascarar sob o verniz
do cotidiano um mundo
de desejos e fantasias
inconfessáveis"
(Clarisse Lispector)



Já foi dito que Deus deu ao homem o dom da palavra para que ele possa esconder os seus próprios pensamentos.

Vem outro e diz: “ouve-me, ouve o silêncio, o que te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa!

Estas são palavras daqueles que já se foram, mas por serem fortes permanecem até hoje.

Neste momento, ao meu redor, um silêncio pesado. Meus olhos vagueiam por entre monstros sagrados enfileirados à minha frente. E lá está Schopennhauer, que a mim tanto impressionaram os seus aforismos. Maquiavel, que a minha inteligência não alcançou os seus conselhos ao “Príncipe”, mas que me deleitou em “A Mandrágora”. Vosmecê, Jean-Paul Satre, que o tradutor nos adverte em a “Idade Razão”, do emprego indiferente do “você” e o “tu” e das constantes repetições, coisa que por seres tu quem fostes (és), nem estavas aí. Voltaire, que o Sérgio Milet afirma, já na sua época era acusado de plágio: “Voltaire, como todos os grandes escritores clássicos faz seus os bens que encontra”, valeu seiscentas e setenta páginas de histórias curtas que compõem “Zadig ou o Destino”. Nicolai Vassilievith Gogol, “Almas Mortas”, li vosso livro de um fôlego só, pena que não tenha final. “As Vinhas da Ira”... Meu caro John Steinbeck: o vosso romance retrata o passado de um povo, que para nós, principalmente, nós nordestinos, ele é o nosso presente. Aqui temos os nossos “bóias-frias”; lá a terra da promissão era a Califórnia, aqui é São Paulo; os juros também são altos e os impostos idem; os Bancos tomam terras, sim senhor, em geral dos pequenos lavradores; os grandes latifundiários não plantam algodão como lá plantavam os seus, aqui é soja tipo exportação. Aqui se mata por terra. Aqui se morre de fome, também.

Companheiros meus, em mim a necessidade de escrever, mas dentro de mim permanece o nada. “ Nothing will come of nothing. I cannot bring my heart into my mouth” ( Shakespeare através de sua personagem Cordélia, filha do King Lear)

Pedante as citações. Ah, Que o sejam! Mas, como diz a Cordélia, quisera eu trazer o meu coração até minha boca, contudo, bloqueiam-me sentimentos menores, fala mais alto um processo autodepreciativo, desconhecendo valores, se é que os tenha.

Falaria eu do quê? Às vezes eu comungo do mesmo pensamento atribuído ao filósofo grego Górgias de Leontino: “Nada existe. Mesmo se existisse alguma coisa, não poderíamos conhecê-lo. Concedido que algo existe e que podemos conhecer, não poderíamos comunicar aos outros. É como disse um amigo meu: “você se esconde na ostra e ainda justifica. Simplesmente...anota”. Sabe ele que : “Só merece nosso crédito aquele que discorrer sobre coisas de sua experiência”. (Hermann Hesse).

E, diante desses “Titãs,” desde a altura em que se encontram, se dignar um deles, alguma vez, dirigir um olhar para a minha humilde posição, saberá de que mísera maneira sofro o grande e constante rigor de nada saber. ( vai ver que eu li isto em algum livro).

terça-feira, 23 de outubro de 2007

O GÊNERO HUMANO






Dona Loucura, refletindo atentamente sobre o gênero humano e observando todas as calamidades a que está sujeita a vida dos mortais, ficou vivamente comovida e exclamou: Santo Deus! Que é afinal a vida humana? Como é miserável, como é sórdido o nascimento! Como é penosa a educação! A quantos males está exposta a infância! A juventude! Como é grave a velhice! Como é dura a necessidade da morte! Quantos poderiam descrever a infinita série de males que o homem causa ao homem, como sejam a pobreza, a prisão, a infâmia, a desonra, os tormentos, a inveja, as traições, as injúrias, os conflitos, as fraudes?
Agora, sou eu que indaga de dona Loucura: sem camisa de força, como fugir dessa barbárie? Ignorar os fatos, passar a raciocinar em torno das nuvens e de quebra medir pé de pulga e ficar atenta ao zumbido do pernilongo?

Sei não, viu, mas tem dias que a gente se sente, não como o Chico Buarque, quando pensou que havia partido ou morrido, mas sim, como o mesmo espírito crítico de Erasmo de Rotterdam, quando em 1508, escreveu o Elogio da Loucura, que o diz ter feito sem estar inteiramente louco, apenas com o intuito de censurar a vida e os costumes humanos e também para homenagear um grande amigo, que longe estava do conceito da loucura e que se chamava Thomas More, autor de a Utopia, de quem se sabe, que, ao subir ao cadafalso, onde devia perder a cabeça em testemunho da Verdade, com o mesmo ânimo intrépido e tranqüilo, não podendo dar um passo por causa da gota, disse a um dos guardas: “amigo ajuda-me a subir, que ao descer não te darei mais incômodo”.



Por falar em Utopia, segundo relato de Rafael Hitlodeu, lá nessa ilha o homem está unido ao homem de maneira mais íntima e mais forte pelo coração e pela caridade do que pelas palavras e protocolos. Só que é uma pena: o país Utopia não passa de utopia, de um sonho sonhado.

domingo, 21 de outubro de 2007

EU E O MEU FILOSÓFICO NARIZ




“Quando uma cabeça e um livro têm
uma colisão e um deles soa oco, será
que é sempre o livro?”(Lichtenbergo)





Os sábios em todas as épocas disseram sempre as mesmas coisas; os tolos em todos os tempos comportam-se como tais e assim continuará para sempre, pois como diz Voltaire, deixaremos o mundo tão tolo e mau como nós o encontramos


Só me basta um nada fazer para cultivar o pessimismo. E hoje é domingo... Um lazer vazio e a melancolia do tédio toma conta de mim. Sinto-me só.


Bem, se amanheci de mal com a vida levantarei o meu filosófico nariz contra ela e me ponho a indagar:


O que é a vida? Sou uma coisa pensante e como tal duvido, concebo, afirmo, nego, imagino, sinto, quero, não quero, que pouco sei e ignoro muito mais e nesta condição vejo-me impelida a questionar a dita e o julgamento que se pode fazer dela. Quando isto acontece, no afã de desvendar mistérios mergulho fundo e busco os Pensadores. Mas logo me vejo enleada em tantas dúvidas que me parece não haver obtido outro proveito procurando instruir-me, senão o de ter descoberto cada vez a minha ignorância. E o que fica em mim é que a vida não é um problema para ser resolvido, é um mistério para ser vivido


Diz o meu conselheiro de plantão, Will Durant, que talvez o nosso enjôo desdenhoso do mundo seja um disfarce para o enjôo secreto de nós mesmos: estropiamos e estragamos nossas vidas e jogamos sobreo ambiente ou sobre o mundo, que não têm condições de se defenderem. O homem maduro aceita as limitações naturais da vida, não espera que a Providência seja parcial a seu favor, não pede dados falsificados para participar do jogo da vida.Sabe, como afirma Carlyle, que não faz sentido recriminar o sol porque não acende os nossos cigarros, mas talvez se fossemos inteligentes para o auxiliar ele fizesse até isso. E este vasto cosmos neutro poderia ser um lugar bastante agradável se contribuíssemos com um pouco de nós mesmos para o ajudar. Na verdade o mundo não está nem conosco nem contra nós. Ele não é senão matéria-prima em nossas mãos, pode ser céu ou inferno, conforme o quisermos.


É, pode ser...


Contraditória, eu? Mas quem não é?





quarta-feira, 17 de outubro de 2007

SABER ALHEIO









“Detesto o sábio que não é sábio
por si próprio” (Eurípides)




Lendo os Ensaios de Michel de Montaigne, deparei-me no Capítulo XXV, que trata do pedantismo e da arte de pilhar o saber alheio – uma carapuça que, pensando bem, me cabe direitinho -. Senão vejamos: reconhecendo o óbvio, isto é, que não sou sábia, mas sim, mendiga do saber alheio, confesso que quase nada tiro de mim; o que faço na maior parte dos meus escritos é filar aqui e ali, deste e daquele livro, as sentenças que me agradam a fim de transportá-las para os ditos escritos . E de tanto me apoiar nos outros vejo-me dependente. É a tal história: quero fortalecer-me contra o temor da morte? Recorro a Sêneca. Tenho a intenção de arranjar consolo para mime para os outros? Vou a Cícero.


O que EU escrevo? O que EU penso? O que EU falo? Pelo visto um papagaio poderia muito bem me substituir... Diz Montaigne que, para abrigar tantos e tão grandes pensamentos dos outros cérebros, é necessário que o próprio cérebro se contraia, se restrinja, se comprima para dar espaço ao que recebe de outrem. E exemplifica: assim como as plantas morrem por excesso de seiva e as candeias se apagam com abundância de azeite, os espíritos curvam-se e se ancilosam sob o peso dos estudos e das matérias com o que os encheram e que eles não puderam deslindar


Indaga Montaigne: que adianta ter a barriga cheia de comida se não a digerimos? Se não a assimilamos, se não nos fortalece e faz crescer? Lembra ele a história de um rico romano que à força de dinheiro se aplicara a recrutar homens versados em todos os ramos da ciência e os tinha sempre à sua volta; e quando, com seus amigos, tinha a oportunidade de falar qualquer coisa eles o supriam em sabedoria, um lhe soprando uma réplica, outro citando um verso de Horácio, cada qual segundo sua especialidade. Com o tempo chegara a acreditar que o saber e seu porquanto o tirava de “seus” homens, agindo, assim, como aqueles cujos conhecimentos moram nas bibliotecas suntuosas de sua propriedade. Ou ainda, como um outro que ao ser indagado acerca do que lhe cumpre saber, vai logo buscar um livro para mostrar e jamais ousaria dizer que tem o traseiro sarnento sem previamente procurar em dicionário a significação de sarna e de traseiro.


Pois é, nem eu duvido que a carapuça me cabe; basta olhar para essa danação de livros à minha frente e do Google dirimindo dúvidas ao simples toque das teclas de meu computador.


domingo, 7 de outubro de 2007

VERDADE DESBOTADA

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"Não posso pintar flores coloridas como os impressionistas porque a psicologia do mundo, hoje é sombria". (Iberê Camargo -artista plástico)

Pessimismo, talvez... Lucidez, quem sabe... Seja lá o que for, o certo é que, infelizmente, compartilho do pensamento do artista.

Por mais que eu queira colorir com palavras otimistas o presente e o que está por vir, salta aos meus olhos uma verdade desbotada incapaz de motivar uma visão positiva do que me cerca. A falta de perspectiva é o escuro de tudo.

Aqui neste meu mundo particular, as cores andam tão anêmicas, tão fuscas, que estão a empanar a minha visão. Estou vivendo um momento atroz onde não enxergo Aquele à quem depositar minhas esperanças. Os que me cercam falam palavras que, não meu parco entender, não dizem neres de neres. São palavras, nada mais do que palavras que perderam o sentido, cairam no lugar-comum das palavras vãs.

Enquanto isto pululam além muro os tais pintores de vanguarda que, no afã de tornar chamativas suas pinturas, andam misturando cores, talvez partindo do pressuposto de que críticos já não o temos e sim, promotores de produtos, e pelo jeito estão pondo fé na exposição, esperando ter a aceitação imaginada. Comportam-se como os divisionistas, acreditando ser imprescidível manter uma relação exata entre as cores complementares a um tom vermelho, correspondendo outro verde, existindo entre eles uma seção de suporte. ( A justaposição das complementares dá o aspecto da "pintura de confete". E, dai, no meio deles, quem sabe...,talvez acreditem no surjimento de um novo Seurat.

E diante do lusco-fusco, fico pensando naquele que libertou a cor, o paradoxal Vincent van Gog, que disse: "Eu não quero pintar quadros, quero pintar a vida". E, embora dissesse, que encontrava dentro dele uma harmonia e uma musicalidade calma e pura, no início de sua carreira os quadros que pintava eram pesados e escuros, pois transmitiam a realidade que o pintor via, e esta era sombria e cinzenta.

Por isto, e por muito mais quando me prometem o céu, a lua e as estrelas eu olho pra cima e se o que vislumbro um céu sombrio, cinzento desconfio do presente, embora quem me prometa se apresente harmônico, musical, calmo e puro.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

ENQUANTO SE ESPERA FILOSOFEMOS

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Enquanto se espera que os nossos corações sejam tocados pelo espetáculo da miséria humana, pela brutalidade do egoísmo, pelo sofrimento real irremissível dos nosso iguais filosofemos.

Filosofemos em cima do que disse um judeu que pensava diferente, que não viveu Auschwitz, mas sofreu um processo de excomunhão em 27 de julho de 1656, com todas as sombrias formalidades do ritual hebreu, tendo à frente os chefes do Conselho Eclesiástico, que amaldiçoaram, execraram e desligaram do povo de Israel aquele que é considerado “ o maior judeu e filósofo dos tempos modernos”. Refiro-me a Baruch de Espinosa.

Sobre DEUS, este é o pensamento de Espinosa: Quando dizeis que se não concedo a Deus as ações de ver, ouvir, observar, desejar e outras que tais... não sabeis que tipo de Deus é o meu. Conseqüentemente imagino que acreditais não existir perfeição maior do que a que pode ser explicada pelos atributos acima citados. Isso não me admira, pois acredito que um triângulo, se pudesse falar diria, de maneira semelhante, que Deus é eminentemente triangular, e um círculo, que a natureza divina é eminentemente circular; assim, cada um atribuiria suas próprias qualidades a Deus.”

Quanto a LIBERDADE DOS HOMENS: “ Os homens pensam que são livres, porque têm consciência de suas volições e desejos, mas ignoram as causas pelas quais são levados a querer ou a desejar”.

A FELICIDADE para Espinosa é definida de forma simples: “presença do prazer e ausência da dor”. Pondo o prazer como transição isto porque o prazer não é a perfeição propriamente dita: “se um homem nascesse perfeito ficaria sem... a emoção do prazer.

O EGOISMO, diz Espinoza: “ é um corolário necessário do instinto supremo de autoconservação, ninguém abandona nada que julgue ser bom, exceto com a esperança de conseguir bem maior”.

A HUMILDADE, diz o filósofo: “ela ou é a hipocrisia do sabido ou a timidez de um escravo; ela significa ausência de força

Sobre o REMORSO: “é antes um defeito que uma virtude: “aquele que se arrepende é duas vezes infeliz e duplamente fraco.”

De INSTINTOS: “são formidáveis como força impulsora, mas perigosos como guias; pois devido ao que podemos chamar de individualismo dos instintos, cada um deles busca satisfazer a si próprio, sem levar em conta o bem da personalidade global’.

ODIAR, diz Espinoza, “é reconhecer nossa inferioridade e nosso medo; não temos ódio de um inimigo que estamos certos de poder vencer. Quem se propõe vingar as injúrias com um ódio recíproco, viverá na infelicidade. Mas quem se esforça por afastar o ódio mediante o amor, luta com prazer e confiança; resiste igualmente um ou a muitos homens e quase não precisa de ajuda da sorte. Aqueles a quem conquista rendem-se a ele alegremente

Encerrando, fica dito que “a paixão sem a razão é cega e a razão sem a paixão está morta”.