terça-feira, 17 de julho de 2007

TANTOS RELATOS. TANTAS PERGUNTAS










Faz parte do romance “To Have and Have Not” de Ernest Hemingway o personagem Eddy, velho marinheiro bêbado, que costumava perguntar a todos que encontrava pela primeira vez o seguinte: “Wouldn’t ever bit by a dead bee?” (Já foi mordido por uma abelha morta?).


Se por conta de um mar revolto o navio do marinheiro Eddy batesse com os costados em uma de nossas praias e os nativos, tendo à frente o seu honorável chefe-operário - o que não deu certo – fossem ao encontro da tripulação, para lhe dar as boas vindas e como é de praxe, trocarem presentes: eles com os seus apitos, colares e espelhos e os da terra com o seu ouro, suas pedras preciosas, suas especiarias, sua água, seus micos-leões-dourados, suas araras coloridas, seu cupuaçu , sua castanha-do-pará, umas casquinhas de árvores e folhas de plantas medicinais etc. etc. Tudo bem aceito e festejado.


No meio da festança, eis que surge a figura bêbada do marinheiro Eddy, abraçada a duas belas e seminuas morenas. Cessado o som dos atabaques e diante de tanta gente nunca vista exibindo os seus pés descalços, começou o velho Eddy, com sotaque carregado, a sua inquirição. Com o dedo trêmulo apontou: você, você e você já foi mordido por uma abelha morta? Acrescente-se que a pergunta também foi dirigida ao chefe-operário – o que não deu certo -


Explico a metáfora: tem a ver com a condição de pobreza. Quem é pobre e vive descalço expõe-se a pisar em abelhas mortas de quem o ferrão continua ativo.


A tempestade passou, todos a bordo, o navio começa a zarpar. Havia acenos de ambos os lados, foi quando o comandante do navio fez um aviãozinho de papel e lançou na direção do chefe-operário – o que não deu certo - Ao desdobrar o aviãozinho, este constatou que estava escrito nele um poema de Bertold Brecht sob o título: “Perguntas de um operário que lê”, que diz:


Quem construiu a Tebas das sete portas?
Nos livros constam os nomes dos reis
Os reis arrastaram os blocos de pedra?
E a Babilônia tantas vezes destruída?
Quem ergueu outras tantas?
Em que casas da Lima radiante de ouro
Moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros
Na noite em que ficou pronta a Muralha da China?
A grande Roma está cheia de arcos de triunfo.
Quem os levantou?
Sobre quem triunfaram os césares?
A decantada Bizâncio só tinha palácio?
Para seus habitantes?
Mesmo na legendária Atlântida,
Na noite em que o mar a engoliu,
Os que se afogavam gritavam pelos seus escravos
O jovem Alexandre conquistou a Índia
Ele sozinho?
César bateu os gauleses.
Não tinha pelo menos um cozinheiro consigo?
Felipe de Espanha chorou quando a sua Armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu, além dele?
Uma vitória em cada página.
Quem cozinhava os banquetes da vitória?
Um grande homem a cada dez anos.
Quem pagava suas despesas?
Tantos relatos.
Tantas perguntas.


Eu li o poema do Bertold, mas será que o chefe-operário - o que não deu certo – leu? Tenho cá as minhas dúvidas... Os companheiros continuam descalços, ferrados pelas abelhas mortas e tão carentes de ações...








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